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Tesouro de quatro mil anos indica que mulher pode ter sido uma poderosa líder europeia

Atualizado: 26 de out. de 2022

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Tesouro de quatro mil anos indica que mulher pode ter sido um líder europeia - História em Destaque

Foto de J. A. Soldevilla. Grupo de pesquisa de arqueologia social do Mediterrâneo da Universidade Autônoma de Barcelo. Divulgação.


A descoberta de um tesouro repleto de joias ricamente ornamentadas, incluindo um diadema de prata, indica que uma mulher sepultada há mais de três mil anos na região da Espanha foi uma governante que possivelmente comandou o poder de um estado. Segundo os pesquisadores, os itens descobertos trazem novas questões sobre o papel das mulheres no início da Idade do Bronze na Europa.

Os esqueletos de uma mulher e um homem (provavelmente seu consorte) foram desenterrados em 2014 num sítio arqueológico localizados entre colinas arborizadas acerca de 56 km a noroeste de Cartagena, no sudeste da Espanha. De acordo com a datação por radiocarbono, o enterro ocorreu por volta de 1700 a.C., e os objetos encontrados sugerem que a mulher pode ter estado no topo da cadeia de comando.



Em sepulturas argáricas foram encontrados vários objetos indicando que as mulheres eram consideradas adultas muito antes que os homens. Corpos de meninas com cerca de 6 anos ou mais eram sepultados com facas e ferramentas, mas para os meninos isso era atribuído apenas da adolescência em diante. Os pesquisadores descobriram que em El Agar alguns túmulos de mulheres eram reabertos anos depois para sepultar outros homens e mulheres. Uma pesquisa em 2020 demostrou que as mulheres sepultadas em túmulos locais se alimentavam mais de carne do que as outras mulheres, sugerindo que elas tinham um verdadeiro poder político.


Objetos encontrados em túmulos femininos em El Argar, diz respeito ao papel político relevante e ao status das mulheres na sociedade. A questão particular sobre essa sociedade é apoiada ainda pelo fato do sepultamento de alguns guerreiros de elite de Argar (c. 2000 – 1800 a.C.) terem sido enterrados em sepulturas onde mulheres haviam sido enterradas anteriormente. Novas escavações em Almaloya, aproximadamente 90 km ao norte do sítio de mesmo nome, forneceram evidências sobre a organização desta sociedade.


Ao invés de bandeiras ou heráldicas, diademas e coroas de metais preciosos são alguns dos objetos misteriosos facilmente reconhecidos. Eles são projetados para serem usados individualmente, e sua conexão produz uma entidade híbrida objeto-sujeito. Essa união do objeto com a cabeça e rotos humanos torna-se um novo emblema: um ‘sujeito emblemático’.

Durante o período Calcolítico e final do terceiro milênio a.C., objetos como diademas de metal começam a aparecer nos registros arqueológicos da Península Ibérica. Os exemplares mais antigos eram feitos de folhas douradas com perfurações para sua fixação na cabeça. Tais objetos são constantemente atribuídos a líderes ou chefes com grande poder militar. Esta interpretação ocorre devido a sua presença em sepulturas individuais, com armas e outros objetos ligados ao complexo Bell Beaker. Esses diademas são feitos de prata nativa, com apenas um único exemplar de ouro, e expõem formas e significados distintos na sociedade argárica na Península Ibérica.

Em 1883 e 1884, os irmãos Henri e Louis Siret e seu e seu empregado, Pedro Flores, encontraram quatro desses diademas no sítio de El Argar. Os diademas estavam em covas individuais, e descobriu-se que estão associados a mulheres. Da mesma forma aconteceu com as bandanas encontradas nos sítios de Gatas, El Oficio e Fuente Álamo. Os diademas sempre foram descobertos em conjunto com uma grande variedade de artefatos, incluindo furadores, colares, ornamentos de prata e cobre, facas e cerâmica. Os irmãos Siret afirmaram que as mulheres sepultadas com diademas eram “souveraines ou femmes de chefs” (“soberanas e esposas de chefes”; Siret & Siret 1887: 163). Em 1923, um quinto diadema surgiu, provavelmente de uma tumba no Cerro de la Plaza de Armas, em Murcia. Ele difere dos outros quatros por ser totalmente de ouro.


A Cultura argárica se desenvolveu no sudeste da Península Ibérica entre 2200 e 1500 a.C. Grande parte de seu povo viviam em grandes assentamentos no topo de colinas, começou a usar o bronze muito antes dos povos vizinhos, tinham classes estratificadas de riqueza e status social. Os restos mortais da mulher encontrada cerca de 80 km do sítio arqueológico de El Argar, conhecida como “Princesa de La Almoloya”, pertencia à cultura argárica.

O arqueólogo Roberto Risch explica que o esqueleto de um homem encontrado seria de um guerreiro: seus ossos estavam desgastados, sugerindo que ele passava muito tempo a cavalo e seu crânio mostra cicatrizes profundas de um ferimento facial grave. Seu cabelo era amarrado com fitas prateadas e usava brincos de ouro nas orelhas. A mulher encontrada no mesmo enterro foi sepultada com objetos, incluindo pulseiras, brincos, anéis e diadema de prata que enfeitava o crânio quando a sepultura foi descoberta.

Túmulos de mulheres encontrados em El Argar indicam um alto status e grande riqueza, mas os enterros de homens da mesma região não haviam tais fortunas. “Isso sugere que, quando [as mulheres] estavam vivas, desempenhavam um papel muito importante na gestão política da comunidade”, explica Risch.


A maioria dos mortos em El Argar foram enterrados debaixo de construções, assim como o da mulher de La Almoloya, localizado sob uma sala com bancos que suportam até 50 pessoas. Esse edifício fazia parte de um primeiro palácio conhecido na Europa Ocidental continental, onde os governantes viviam e desempenhavam suas funções.

Vários pesquisadores defendem a ideia de que os grupos da cultura argárica podem ter sido governadas por mulheres. A arqueóloga e historiadora Marina Lozano explica que, seu estudo de 2020 serviu para determinar que diversas mulheres argáricas estavam diretamente envolvidas na produção de tecidos de linho e lã. “As mulheres de El Argar eram uma parte ativa de sua economia. Uma governante mulher é apenas mais um exemplo da importância delas nessa sociedade”, declara Lozano.

Há uma certa cautela por parte da maioria dos pesquisadores com relação a novas interpretações. As descobertas são magníficas, mas o antropólogo Antonio Gilman questiona se a grandeza dessa sepultura deve ser interpretada como a fortuna de uma governante, e se a construção em La Almoloya deve ser considerada um palácio, se ela é bem menos sofisticada que as construções da Idade do Bronze mais a leste na Europa.


A descoberta de diademas sempre foi associada com uma enorme variedade de objetos funerários, incluindo colares, ornamentos de prata e cobre, facas e cerâmicas. Os Sirets acreditam que as mulheres sepultadas com diademas eram “souveraines ou femmes de chefs” (“soberanos ou esposa de chefes”, Siret & Siret 1887: 163). Esses autores citavam às tiaras como ‘couronnes’ (‘coroas’), em referência ao símbolo de realeza. Em 1923, uma descoberta na tumba no Cerro de la Plaza de Armas, em Murcia revelou um quinto diadema feito de ouro e apresentando um padrão linear em relevo de pequenos pontos.

As similaridades morfológicas entre os cincos diademas de El Argar e La Almoloya são impressionantes. Mesmo com a perda de material, as dimensões do disco, a espessura da haste e máxima do objeto são visivelmente uniformes. Essa conformidade é consistente com a fabricação em uma oficina especializada em ourivesaria.

O único diadema de Argarico totalmente documentado foi descoberto na sepultura 38 em La Almoloya em 2014. A tumba inclui um enorme vaso oval enterrado sob o chão de uma sala. O vaso continha cadáveres de uma mulher e um homem, cujas idades na morte foram estimadas em 25 – 30 e 35 – 40 anos, respectivamente. Análises no posicionamento dos ossos sugere que o intervalo de tempo entre os dois enterros foi pequeno. A datação por radiocarbono dos dois indivíduos são idênticas, sugerindo que ambos morreram por volta do século XVII a.C.



Bibliografia

METCALFE, Tom. Mulher pode ter sido poderosa líder europeia – sugere um tesouro de quatro mil anos. National Geographic. 2021. Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2021/03/mulher-pode-ter-sido-poderosa-lider-europeia-sugere-um-tesouro-de-quatro-mil-anos. Acesso em: 23 de agosto de 2021.

Aranda, G. & Montón , S .. 2011 . Festejando a morte: rituais funerários nas sociedades da Idade do Bronze do sudeste da Península Ibérica, em Aranda, G., Montón, S. & Romero, M. Sánchez (ed.), Adivinhe quem vem jantar: rituais festejando nas sociedades pré-históricas da Europa e o Oriente Próximo: 130 –57. Oxford

Alexandrov, S. & Hristov, M. 2018. Hordas do início da Idade do Bronze na região de Petrich, sudoeste da Bulgária. Sofia: Instituto Nacional de Arqueologia, Academia de Ciências da Bulgária.

Garrido, R. 2014. Bell Beakers in Iberia, em Almagro, M. (ed.) Iberia. Protohistória do extremo oeste da Europa: do Neolítico à conquista romana: 113 –24. Burgos: Universidade de Burgos, Fundação Atapuerca.



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