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O que se sabe até agora sobre os vikings na América do Norte

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O que se sabe até agora sobre os vikings na América do Norte - História em Destaque

As viagens transatlânticas dos vikings despertam fascínio e emocionam pessoas ao longo dos séculos. Nos últimos anos os pesquisadores estão separando o fato da ficção.


Na ponta da Grande Península do Norte da ilha de Newfoundland, os restos de um assentamento viking do século XI são evidências da primeira presença europeia na América do Norte. L’Anse aux Meadows é o único assentamento nórdico conhecido na América do Norte. A grandiosidade desse sítio só foi reconhecida em décadas recentes.


Até a segunda metade do século XX, a história dos vikings na América do Norte, principalmente no período entre 750 e 1050 d.C., era conhecida através das sagas islandesas – contos épicos de uma magnífica literatura medieval do Norte. Essas histórias foram escritas, principalmente no século XIII, e preservam as memórias dos ancestrais dos autores da saga, ou são apenas mais uma entre tantas outras obras de ficção histórica? As histórias de viagens dos vikings à América do Norte aparecem em apenas dois desses textos: a Saga Dos Groenlandeses; e a Saga de Erik, o Vermelho.



Sagas e Fontes

A Saga de Erik, o Vermelho, é aceita pela maioria dos estudiosos como sendo composta no século XIII, mas outros historiadores defendem que ela seria do século XIV. As duas obras são coleções separadas de outros contos em manuscritos medievais tardios.


Os textos em ambas as sagas relatam a história de navios que saíram do curso e foram parar em um país desconhecido a oeste da Groenlândia. Fala também de expedições de exploração e um breve assentamento que se seguiu. No entanto, frequentemente as duas sagas se contradizem, com diferentes versões do avistamento dessa terra desconhecida e quem foi o pioneiro a navegar até lá.


No entanto, a rota seguida pelos desbravadores é clara em ambas as fontes: seguindo para oeste da Groenlândia por dois dias até um país de pedras planas conhecida pelos nórdicos como Helluland (possivelmente a Ilha de Baffin), depois, dirigindo-se para o sul, passando por uma longa área de florestas costeiras e praias intocadas que eles chamavam de Markland (provavelmente Labrador), e finalmente, para Vinland, a “terra das vinhas [selvagens]”. No que se refere à Terra Nova, sua localização nunca é totalmente clara, assim como a algum lugar mais a oeste ou ao sul.



As histórias de Bjarni Herjólfsson escritas na Saga dos Groenlandeses, conta que ele encontrou uma nova terra em uma de suas múltiplas viagens a Vinland, mas não desembarcou, deixando o feito para uma das figuras mais famosas do final da era viking: Leif Eriksson (conhecido também como Leif, o Sortudo). O texto conta ainda que Eriksson fundou um assentamento chamado Leifsbuðir (“casas de Leif”), que mais tarde foi emprestado para os viajantes seguintes.


A saga menciona várias viagens após a fundação do assentamento de Leif: o primeiro a viajar foi seu irmão Thorvald, que permaneceu por três invernos na colônia; em seguida foi a vez do próspero comerciante Thorfinn Karlsefni e sua esposa Gudríd Thorbjarnardóttir; e finalmente, uma viagem liderada por Freydís – irmã de Leif – e outros dois indivíduos.


Toda essa história é compactada em uma única viagem à Vinland, escrita na Saga de Erik, o Vermelho. Nessa saga, Leif é quem primeiro avista Vinland, mas não desembarca. Já a tentativa de fundar o assentamento é de Thorfinn e Gurdríd, que lideravam três embarcações com cerca 150 colonos. Nesta versão, são mencionados dois acampamentos: um local de inverno chamado Straumfjord; e outro mais duradouro chamado Hop.



As duas sagas podem ser combinadas em um conto de várias viagens com personagens mais ou menos confiáveis. Possivelmente, os nórdicos fundaram um assentamento permanente com estações temporárias fundadas à medida que avançavam em sua exploração. Essas histórias contêm uma riqueza de detalhes do drama humano, mas isso não foi uma “descoberta”, pois Vinland já era habitada. Os nórdicos encontram por diversas vezes habitantes locais a quem chamam de Skraelingar, um termo depreciativo significando algo como “selvagens”.


Na Saga de Erik, o Vermelho, relata uma negociação de paz entre os dois grupos antes que a violência se iniciasse devido a um mal-entendido; na Saga Groenlandesa, é descrito um fatídico conflito desde o início. Os textos contam que ocorreram várias mortes de ambos os lados, e um tema comum nas duas sagas é que a resistência indígena afugentou os nórdicos.



Fatos no terreno

Esses relatos são apoiados por achados arqueológicos sobre um assentamento viking de curta duração na América do Norte. Uma descoberta realizada pela equipe norueguesa de Anne Stine e Helge Ingstad no Canadá em 1960, revelou um local conhecido como L'Anse aux Meadows em Newfoundland (atual Terra Nova e Labrador). Essa e outras descobertas estão ajudando a esclarecer o que tem base na realidade histórica, e o que é simplesmente ficção nas sagas.


As escavações no sítio arqueológico em L'Anse aux Meadows – primeiro por Anne Stine e Helge Ingstad, e depois por Birgitta Linderoth Wallace, revelou habitações nórdicas simples de madeira e grama, divididos em três grupos. Os pesquisadores identificaram também oficinas e uma ferraria localizadas distantes das habitações. Foi localizado também um possível galpão de barcos, uma carpintaria, e um local de reparos de barcos.



Os achados confirmam que o local é realmente nórdico: um alfinete de manto, pregos de ferro e vários outros artefatos foram encontrados no sítio. O local tem uma estratégica vista para o mar e acesso aos recursos marinho, principalmente a rica pesca de bacalhau. Esse assentamento era o local perfeito para os navios da Groenlândia na rota costeira do sul – um ponto onde eles poderiam navegar em várias direções. Os arqueólogos acreditam que um pouco mais de 100 pessoas viveram ali – um número que se encaixa nos relatos das sagas.


O sítio de L'Anse aux Meadows chama a atenção pelo fato de não haver enterros ou evidências de criação de animais. Os pesquisadores acreditam que esse assentamento nórdico não foi o único na América do Norte, mas nada foi encontrado até agora. A criação de gado é mencionada nas sagas, mas não há sinal deles neste sítio.


É consenso entre os pesquisadores de que L'Anse aux Meadows tenha sido um acampamento de longo prazo: um lugar onde os vikings podiam abastecer e reabastecer, descansar e se preparar para o inverno. Quando a primavera chegasse, os nórdicos saíam em expedições de exploração a procura de itens e derrubada madeira – uma mercadoria extremamente importante em uma paisagem sem árvores da Groenlândia e Islândia. Os pesquisadores acreditam que o objetivo dos exploradores vikings não era constituir assentamentos permanentes.



Primeiras Nações

O Sítio Histórico Nacional L'Anse aux Meadows foi claramente ocupado por povos indígenas que estava lá antes dos vikings e retornaram depois. As construções nórdicas foram destruídas pela ação do fogo, mas não se sabe quem fez isso. Os pesquisadores acreditam que esses indígenas sejam os ancestrais dos Beothuk, embora isso não tenha sido confirmado. Atualmente, eles são descritos apenas em fragmentos nas sagas e em poucos objetos encontrados nas escavações.


A presença dos primeiros habitantes na região também é observada de outras maneiras, como o exemplo de um norueguês sepultado na Groenlândia com uma ponta de flecha de pedra em seu corpo. Em outro enterro foi encontrada uma pela do bisão norte-americano, uma espécie das planícies não nativa da Terra Nova. Essa descoberta revela a atividade do comércio de longas distâncias.


Foi encontrada em um assentamento de nativos americanos no Maine, nos EUA, uma moeda do século XI cunhada para o rei Olaf III Haraldsson da Noruega. Esse assentamento foi ocupado mais de cem anos depois. A moeda havia sido perfurada para ser usada suspensa, possivelmente como um pingente, e estava muito corroída.



Traços de Vinland

As viagens norte-americanas foram descritas nas sagas nórdicas que foram criadas séculos depois dos eventos relatados, e suas datas não são claras. A maioria dos estudiosos acreditam que as viagens ocorreram em algum momento do ano 1000. A referência mais antiga e mais segura é a Vinland, da década de 1070, quando foi mencionado por Adão de Bremen – um clérigo alemão – em sua história eclesiástica.


Mapa da Vinlândia - História em Destaque

Mapa da Vinland. Coleção Geral, Biblioteca de Manuscritos e Livros Raros Beinecke, Universidade de Yale.


Bremen descreve sua passagem pelo local como uma ilha, “visitada por muitos” e que ele tinha ouvido falar de “relatórios confiáveis dos dinamarqueses”. O que se sabe até hoje sobre os viajantes do Atlântico Norte sugere que a maioria deve ter vindo da Islândia e da Groenlândia. Este relatório indica um conhecimento básico de uma terra do outro lado do Atlântico que era bastante difundido no norte da Europa após o desembarque dos vikings.


Em 2021, foi publicado na revista Nature um estudo realizado pela pesquisadora Margot Kuitems e colegas, detalhou o uso de um novo tipo de calibração de radiocarbono com base em picos de radiação solar, tornando a datação de objetos mais exata. Os testes realizados em pedaços de madeira relacionados à ocupação nórdica foram apresentados como sendo cortados no mesmo ano: 1021 d.C., cerca de uma década depois da estimativa anterior, embora não esteja muito distante das sagas. No entanto, o ano preciso marca um período de grande atividade no local, e pode ter sido estabelecido anteriormente e/ou pode ter sido reocupado posteriormente.



Em outros estudos realizados por Paul Ledger e colegas, foram analisadas amostras de uma turfeira próximo do local. Essa matéria orgânica chamada pelos arqueólogos de “ecofatos” sugere que a ocupação nórdica pode ter durado mais de um século. Os pesquisadores acreditam que a ocupação indígena na região tenha se estendido por um período ainda mais longo, possivelmente ocupada, em alguns momentos, por indígenas e nórdicos compartilhando o local.


A ideia de Ladger se alinha em um dos anais da Islândia que cita navios nórdicos coletando madeira em Markland até o ano de 1347. Essa mesma região foi recentemente identificada por Paolo Chiesa na Cronica Universalis, uma obra milanesa de cerca de 1340. Essa é uma clara indicação de que rumores de um lugar a oeste da Groenlândia realmente chegaram ao mediterrâneo, 150 anos antes de Cristóvão Colombo ter navegado para o oeste.


Para os pesquisadores, não há dúvida de que os vikings navegaram para a América do Norte no início do século XI e fizeram um grande assentamento no norte da Terra Nova. Há também uma história do encontro das Primeiras Nações, isso pode surgir do registro arqueológico algum dia.



Fonte: National Geographic

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