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Navio funerário anglo-saxão foi possivelmente o último de seu tipo

Atualizado: 15 de dez. de 2022

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Escavação do navio anglo-saxão em Sutton Hoo

Fotografia da escavação do navio anglo-saxão em Sutton Hoo, 1939. (CC BY-NC SA).


Arqueólogos descobriram, em 1939, uma sepultura anglo-saxã de 1,4 mil anos, em Sutton Hoo, sudeste da Inglaterra. O achado foi retratado no filme “A Escavação” e talvez seja o último do seu tipo. A descoberta inclui ainda: um navio inteiro e um esconderijo abarrotado de artigos mortuários. A curadora dos lendários artefatos no Museu Britânico, Sue Brunnig, explica que o túmulo descoberto mudou a compreensão dos historiadores do início da Idade Média na Grã-Bretanha. “Tudo se transformou de uma hora para outra”.


No início do século VII d.C., a prática de enterrar os mortos com seus principais pertences estava se tornando cada vez menos comum na Grã-Bretanha. A maioria das sepulturas inglesas, datadas de um século depois de Sutton Hoo, continham basicamente cadáveres. Mas o que causou essa mudança?



O arqueólogo autodidata Basil John Wait Brown, nasceu em 1888, no condado de Suffolk, Inglaterra. Ele foi contratado pela dona de terras Edith Pretty, em Suffolk, próximo ao rio Deben, que estava bastante entusiasmada para saber o que havia sob os túmulos em sua propriedade. Brown realizou uma série de escavações, e lentamente descobriu 163 objetos valiosos enterrados no navio Anglo-Saxão de mais de 24 metros de comprimento. Entre os objetos estavam armas, fivelas, moedas, talheres e um capacete, ombreiras – muitos deles indicando ligações com lugares distantes, como a Síria e o Sri Lanka.


No início da Idade Média na Europa, as pessoas eram enterradas em navios, o mesmo ocorria com objetos mortuários. Os mortos eram sepultados com alguns dos objetos de que mais gostavam, como joias, moedas, arreios para cavalos e muitos outros pertences.


A prática de enterrar seus mortos com luxuosos pertences estava se extinguindo quando a elite anglo-saxônica de Sutton Hoo enterrou seus mortos entre os séculos VI e VIII d.C., os túmulos na Inglaterra tornaram-se mais simples e escassos.


Uma tradição em queda

Os pesquisadores tentam entender como a prática de enterrar os mortos com seus luxuosos pertences foi extinta. A arqueóloga Emma Brownlee, especialista em práticas fúnebres do início da era medieval, analisou registros de 33 mil túmulos dessa época. Seu estudo compreende 237 cemitérios no noroeste da Europa, grande parte na Inglaterra.



Brownlee analisou antigos desenhos e descrições de dezenas de milhares de túmulos escavados nos últimos 60 anos, e calculou minuciosamente o número médio de objetos por sepultura. Ela também reuniu as datações mais confiáveis que indicasse a idade de cada cemitério. Ao processar os dados, Brownlee criou um mapa que mostra que a Inglaterra deixou a tradição de enterrar artigos mortuários em meados do século VI. Em 625 d.C., quando o guerreiro Anglo-Saxão foi enterrado, as sepulturas contendo objetos estavam perto da extinção. “Depois do século VII, ninguém mais foi enterrado com objetos em seus túmulos”, diz Brownlee.


Fivela de cinto em ouro encontrada no sítio arqueológico Sutton Hoo. - História em Destaque

Fivela de cinto em ouro encontrada no sítio arqueológico Sutton Hoo. (CC BY-NC-SA)


Os dados de Brownlee se referem à Inglaterra. No entanto, essa pesquisa mostra que a Inglaterra terminou sua mudança para enterros mais simples por volta de 720 d.C., enquanto o restante do noroeste da Europa demorou mais de meio século para seguir o exemplo.


O nascimento da Inglaterra e os mortos nos túmulos

A Inglaterra conquistou sua independência por volta de 410 d.C. – antes sob o domínio do Império Romano – e enfrentou uma série de conquistadores, incluindo os anglos-germânicos e saxões. No século VII d.C., as potências pagãs se uniram em reinos e se converteram ao cristianismo, sobrevivendo as invasões vikings que se iniciaram no século IX.



Pesquisadores acreditam que a pessoa enterrada com o navio tenha sido o rei anglo-saxão Redualdo da Ânglia Oriental, e que Suffolk faria parte do seu reino em 599 e 624 d.C. Moedas enterrados com guerreiro são datadas do período de seu reinado. Para os arqueólogos, os parentes da realeza também foram enterrados em Sutton Hoo. Cerca de 17 túmulos foram encontrados próximo do suposto rei, e outro navio menor também foi descoberto no local.



Para o arqueólogo Heinrich Härke, especialista em enterros do início do período medieval, o domínio político pode ter sido a causa da mudança nas práticas de sepultamento. A partir do século VI d.C., os líderes de toda a Inglaterra, começaram a solidificar o poder e constituir os reinos. Andrew Reynolds, da University College London, tem sua própria teoria: “a ascensão dos reis empobreceu todos que não faziam parte da classe mais alta”. Ele explica ainda que “o crescente controle das famílias reais inglesas sobre os recursos e as terras representou o primeiro golpe mortal nas liberdades anteriormente desfrutadas por comunidades em pequena escala”.


Para Reynolds, a sepultura de Sutton Hoo é parte dessa transição, com apenas uma família anglo-saxônica no local de sepultamento.


“Todos os túmulos da elite desse período estão situados longe dos cemitérios utilizados por pessoas de menor status social”, diz ele. “O que podemos observar é uma tentativa por parte das pessoas que controlavam o acesso a bens de prestígio, e que certamente detinham o poder local, de se diferenciarem das outras, não apenas pela aquisição de itens para ostentação, mas também do ponto de vista espacial, para se manterem separadas”.



Outro fator crucial para o fim dos túmulos luxuosos foi a ascensão do Cristianismo que se instituiu na Europa. Quanto mais a nova religião se estabelecia, os sepultamentos saíam de moda e os enterros reais migraram para cemitérios ou tumbas dentro de igrejas e catedrais. A partir do século VIII d.C., a quantidade de bens mortuários diminuiu, e tanto a realeza quanto pessoas comuns eram geralmente enterradas com apenas os sudários, joias pessoais ou crucifixos.


Nenhuma prova cabal

Sem uma evidência clara de como precisamente as práticas de enterro do passado se encaixam em mudanças sociais mais vastas, os estudiosos depositam suas esperanças numa parte não escavada do sítio arqueológico de Sutton Hoo, acreditando que essa dúvida possa ser respondida.


O autodidata Basil Brown, iniciou as escavações em 1939, e dois outros projetos continuaram explorando o local até o início da década de 1990. Parte do cemitério próximo ao navio foi “deixado para as gerações futuras com novas questões e novas técnicas”, explica um porta voz do Fundo Nacional.


“As sepulturas são uma das poucas partes do registro arqueológico que foram deliberadamente enterradas”, afirma Brownlee. “Quase todo o resto é acidental. ” Segundo ela, cada item “foi colocado com um propósito específico. Redescobrir esse propósito faz parte do desafio. ”



Fonte(s): National Geographic e The British Museum



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