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Pilatos Lavando as Mãos. A imagem faz parte de um retábulo chamado Maesta. (Domínio Público).
Durante a Idade Média as pessoas costumavam comer com as mãos, por isso o ato de lavá-las antes das refeições era um ritual importante tanto para os camponeses quanto para a elite.
De forma equivocada, geralmente pensamos que as pessoas que viviam na Idade Média tinham uma higiene pessoal precária, mas, na verdade, a grande maioria possuía boas práticas de limpeza. O ato de lavar as mãos originou-se de uma necessidade, e evoluiu para uma demonstração de poder e riqueza, tornando-se um “sinal de civilidade”.
No período medieval, os talheres eram utensílios raros e a comida era servida em grandes fatias na maioria das vezes. Lavar as mãos era necessário para retirar a sujeira acumulada durante o dia, além de um sinal de respeito por quem o estivesse alimentando. Um texto medieval do século XIII sobre bons modos à mesa dizia: “que seus dedos estejam limpos e suas unhas bem cuidadas”.
A elite medieval levou a lavagem de mãos e do rosto a um novo patamar, com rituais em torno dos monarcas especialmente elaborados. Qualquer um que fosse se sentar à mesa com um rei europeu medieval era recebido por um artista tocando belas melodias e conduzido a um lavatório com “bacias luxuosas, toalhas brancas e limpas e água perfumada”. Segundo Amanda Mikolic, assistente de curadoria do Departamento de Arte Medieval do Museu de Arte de Cleveland, em Ohio, “as mulheres já teriam lavados as mãos antes de chegarem, garantindo que ao limpar as mãos nos panos brancos, nem uma partícula de sujeira sairia – provando sua natureza limpa e virtuosa”.
Como quase em todo o banquete, o ato de lavar as mãos era um jogo de poder para mostrar quem estava no comando. Assim que todos os presentes estivessem devidamente sentados no grande salão, o rei entraria, e todos ficariam de pé assistindo enquanto ele lavava as próprias mãos. Quando o rei terminasse, todos os outros assumiriam seus assentos. Orientações rígidas conduziam a maneira como os nobres deveriam comer. No Les Contenances de Table, lista diversas regras para o jantar:
“Assim que um pedaço for tocado, ele não deve ser devolvido ao prato.
Não toque suas orelhas ou nariz com as mãos desprotegidas...
O regulamento ordena que não se coloque um prato na boca.
Quem quiser beber deve primeiro mastigar o que estiver na boca.
E que seus lábios sejam limpos antes...
Assim que a mesa estiver limpa, lave as mãos e tome uma bebida.”
As cruzadas contribuíram em parte para os elaborados rituais de ostentação. O luxuoso são de Aleppo, feito de azeite de oliva e louro, foi introduzido na Europa pelos cruzados. Não demorou muito para os franceses, italianos, espanhóis e ingleses, começassem a produzir sua própria versão do sabão de Aleppo utilizando azeite de oliva, em vez da gordura animal. A versão mais conhecida é o sabão de Castela, da Espanha, que ainda hoje é produzido e vendido para todo o mundo.
No ritual eram usados aquamanis (jarras) e lavabos ornamentados (basicamente uma tigela com alças e vasos com bicos) eram enchidos com água quente e perfumada que seria usada durante a lavagem das mãos. Esses aquamanis eram tão valorizados que a esposa de Carlos IV, a rainha Jeanne d’Évreux, incluiu vários dessas jarras entre as preciosas decorações de mesa em seu testamento. Entre as famílias mais ricas, era de costume os servos derramarem a água nas mãos dos que iriam jantar.
No início do século XVIII, a prática de lavar as mãos começou a perder força. Muitos especialistas acreditam que isso se deve a utilização de talheres, pouco usados nos séculos anteriores.
Hoje, séculos depois dos lavabos terem saído de moda, lavar as mãos pode ser uma forma de exibir riqueza. De vasos pintados à mão a sabonetes feitos com óleos essenciais e toalhas de algodão egípcio caríssimo, seguimos criando rituais luxuosos para lavar as mãos.
Fonte: National Geographic