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Fóssil semelhante a uma esponja pode reescrever a história do começo da vida animal

Atualizado: 26 de out. de 2022

Matéria


Esponja marinha (Scalarispongia scalaris) comum na costa da França - Nature/Reprodução


Este fóssil pode ser o animal mais antigo já descoberto até hoje. O estudo gera grande debate sobre as alegações de formas de vida muito antigas.


A descoberta do fóssil semelhante a uma esponja no noroeste do Canadá poderia reescrever a história do começo da vida animal – mas diversos paleontólogos ainda não estão convencidos.



Os primeiros registros fósseis dos principais grupos de animais – incluindo moluscos artrópodes e vermes – aparecem durante a explosão cambriana, há 541 milhões de anos.

Muito antes do surgimento das primeiras plantas terrestres, os ancestrais da esponja-do-mar filtraram as águas da Terra por milhões de anos. A maioria dos pesquisadores acredita que as esponjas foram os primeiros animais a surgir em nosso planeta. Mas, o que está gerando enorme debate é quando exatamente isso aconteceu.


Um estudo realizado em estruturas reticuladas em um recife e publicado na revista científica Nature sugere que podem ser esponjas de 890 milhões de anos. As esponjas fossilizadas, encontradas em rochas calcárias de “Little Dal”, no Canadá, seriam os mais antigos fósseis de animais não contestados. No entanto, as alegações de formas de vida fossilizadas extremamente antigas geram controvérsia e não há consenso científico sobre o quanto e quais evidências podem diferenciar animais de outras formas de vida ou de estruturas geológicas.



O paleontólogo Jonathan Antcliffe da Universidade de Lausanne, na Suíça, afirma que “é semelhante ao teste psicológico de Rorschach, mas com alguns rabiscos em uma rocha”.


A única autora do estudo, Elizabeth Turner, que é Professora de Sedimentologia de Carbonato e Paleontologia de Invertebrados, apresentou em entrevista uma espécie de Spongia officinalis de cor amarelo-mostarda – uma parente moderna da suposta esponja fóssil. Turner mostra a rede de tubos flexíveis que propiciam a característica esponjosa, demonstrando que a malha é “idêntica” à de fósseis pesquisados recentemente.


Características e distribuição da microestrutura vermiforme Little Dal em seções delgadas estratigraficamente orientadas com 30 µm de espessura. Imgame: Elizabeth C. Turner. http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/


a , Microestrutura vermiforme bem preservada exibe uma malha poligonal de túbulos anastomosados, ligeiramente curvos, de aproximadamente 30 μm de diâmetro embutidos em microspar de calcita (KEC25). Barra de escala, 500 μm. b , Retângulo ampliado de a , mostrando túbulos ramificados formando polígonos tridimensionais interceptados em vários ângulos pela seção delgada; cristais de calcita claros, com cerca de 10–20 μm de largura, preenchem túbulos na massa fundamental de calcita mais finamente cristalina (cinza escuro). Barra de escala, 50 μm. c , Fragmento tridimensional do esqueleto da esponja de uma esponja queratosana moderna, ilustrando sua ramificação e rede de fibras anastomosadas (luz incidente). Barras de escala, 100 μm (painel principal), 20 μm (inserção). d, Microestrutura vermiforme em detritos que inclui calcimicrobialita e outros clastos derivados do recife (C) flanqueando o recife estágio III (MV63). Barras de escala, 1 mm (painel principal), 100 μm (inserção). e , Microestrutura vermiforme no poro do abrigo abaixo do clasto de microbialita, em sedimento detrítico ocupando uma depressão no topo do recife; o poro é delineado com cimento de calcita marinha (MC) (indicado por uma seta) e parcialmente preenchido com sedimento carbonato geopetal (GCS) (KEC25; núcleo de recife de estágio III). O retângulo é ampliado em a . Barra de escala, 1 mm. f, Microestrutura vermiforme em um vazio de estrutura de microbialita (M) é recoberta por cimento de calcita marinha ocluindo poros; a área circulada indica malha de túbulos moderadamente bem preservada. Barra de escala, 1 mm. g , Patches de microestrutura vermiforme em várias relações com massas microbialitas micríticas (contorno branco tracejada) e sedimento carbonato detrítico (CS) (KES23; clasto de recife de estágio II ressedimentado). Os retângulos são aumentados em i - k . Barra de escala, 1 mm. h , representação simplificada de relações entre microestrutura vermiforme, massas de microbialita e sedimento carbonato detrítico em g . Barra de escala, 1 mm.i , Microestrutura vermiforme misturada com micrite microbiana dentro de um dígito de microbialita (ampliado de g ). Barra de escala, 500 μm. j , Massa microestruturada vermiforme dentro do sedimento entre os dígitos da microbialita; também contém manchas diagenéticas de dolomita (D) (ampliado de g ). Barra de escala, 500 μm. k , Massa microestruturada vermiforme aderindo à margem do dedo da microbialita (ampliado de g ). Barra de escala, 500 μm. Todas as imagens, exceto c, são em luz transmitida plano-polarizada. Amostras de detritos de recife resedimentados são representadas na orientação de deposição com base em estruturas geopetais. As localizações e abreviações dos recifes (como KEC) são descritas em uma publicação anterior 35.

 


“Se eu estiver certa, os animais surgiram muito, muito antes do primeiro aparecimento dos fósseis de animais tradicionais”, explica Turner. “Isso significaria que há uma história profunda de animais que simplesmente não foram preservados muito bem.”


No entanto, não há um consenso entre os pesquisadores de que os padrões microscópicos nos fósseis que Turner encontrou sejam realmente de uma esponja de 890 milhões de anos.

“Micróbios, por exemplo, produzem formas estranhas e maravilhosas. Às vezes, os cristais também se acumulam de uma forma que se parece com padrões formados por organismos vivos”. Explica Rachel Wood, geocientista da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido.


O imponente recife Little Dal, onde as esponjas fossilizadas foram encontradas remonta uma época em que os mares quentes inundaram uma grande extensão de terra na atual região da América do Norte. Com o passar do tempo e a movimentação das placas tectônicas os mares interiores secaram e os recifes foram petrificados. Ao contrário dos recifes que temos hoje, os construtores dessa estrutura antiga foram as cianobactérias. Esses micróbios se desenvolvem em camadas viscosas, formando camadas à medida que as areias e os minerais dissolvidos na água se transformam em partes sólidas como uma penugem.



Ao longo dos anos foram obtidos indícios da provável identidade das amostras. Em rochas mais recentes do que o recife Little Dal, pesquisadores descobriram redes em espiral com extraordinária semelhança com os possíveis fósseis. Os especialistas sugerem que as malhas ramificadas poderiam ser restos fossilizados de um grupo de esponjas conhecido como Keratosas.


A maioria das esponjas tem esqueletos formados a partir de pequenas estruturas rígidas conhecidas como espículas, mas as esponjas denominadas Keratosas não possuem esqueletos rígidos, ao invés disso, elas possuem uma estrutura esponjosa, resultado das redes de espongina (um tipo de proteína), que apresenta uma textura elástica e flexível.


Essa nova pesquisa se junta ao longo debate sobre quando ocorreu o surgimento dos primeiros animais. Pesquisadores estão usando biomarcadores (rastreadores geoquímicos da vida primitiva) para identificar possíveis criaturas. Por exemplo, restos de fósseis de diferentes tipos de lipídios, são usados como biomarcadores.


Os pesquisadores tiraram fotos de várias fatias finas da amostra de rocha e as utilizaram para gerar um modelo 3D da suposta esponja. David Gold, geobiólogo da Universidade da Califórnia, diz que, “se as estruturas de Turner provarem ser fósseis de esponja, seria muito emocionante e nos ajudaria a descobrir a história inicial da evolução animal”, um assunto que vem sendo debatido por décadas.



Segundo o biólogo Keyron Hickman-Lewis do Museu de História Natural de Londres, a maioria dessas supostas evidências de vida primitiva se mostraram falsas. Por exemplo, recentemente pesquisadores descobriram que uma combinação de algas e alterações geológicas extraídas de sedimentos de 635 milhões de anos em Omã poderia produzir compostos idênticos aos identificados anteriormente como sendo esponjas antigas.


Esse debate promete ficar mais acirrado após a conclusão dos estudos das redes de malhas de Little Dal. O revisor do estudo, Robert Riding, acredita que “as evidências sejam convincentes”. Recentemente, Riding publicou um estudo documentando fósseis semelhantes ligados a um estromatólito de aproximadamente 485 milhões de anos descoberto em Nova York.


Para a Dra. Phoebe Cohen, geobióloga do William College em Williamstown, Massachusetts, é possível que as esponjas possam ser anteriores à explosão cambriana. Os pesquisadores usam ‘relógios moleculares’ para medir a taxa de mutação no DNA e nas proteínas ao longo do tempo, e assim, estimar há quanto tempo os ancestrais de grupos de animais vivos se distanciaram.


Pesquisas sugerem que o último ancestral comum de todos os animais vivos hoje teve sua evolução antes da explosão cambriana, mas não em 350 milhões de anos, diz Cohen. Entretanto, ela não está convencida de que as amostras de Turner são realmente fósseis de esponja, e seriam necessárias mais evidências incluindo estudos sobre como as esponjas se fossilizam.


Para os primeiros animais terem existido há 890 milhões de anos, eles tiveram que sobreviver a condições difíceis, como níveis extremamente baixos de oxigênio e longos períodos de neve na Terra durante os quais a superfície do planeta congelou quase totalmente.


Segundo Turner, as esponjas poderiam ter sobrevivido ao ambiente com pouco oxigênio, vivendo em cavidades e fendas no recife microbiano próximo a cianobactérias fotossintéticas, que liberam oxigênio. Esse tipo de bactéria também produz um logo orgânico que pode ter nutrido as esponjas. “Provavelmente havia um suprimento delicioso e muito abundante de lodo para esses organismos que se alimentam filtrando a água, os chamados “oásis de oxigênio”, diz ela.



Referências


Turner, E.C. Possible poriferan body fossils in early Neoproterozoic microbial reefs. Nature 596, 87–91 (2021). https://doi.org/10.1038/s41586-021-03773-z


Luo, C. & Reitner, J. Naturwissenschaften 101, 467-477 (2014).


Gold, DA et al. Proc. Natl Acad. Sci. USA 113, 2684-2689 (2016).


WEI-HAAS, Maya. Fóssil de esponja de 890 milhões de anos pode ser o animal mais antigo já encontrado. National Geographic, 2021. Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2021/07/fossil-de-esponja-de-890-milhoes-de-anos-pode-ser-o-animal-mais-antigo-ja-encontrado . Acesso em: 13/12/2021.


KOZLOV, Max. Sponge-like fossil could be Earth’s earliest known animal. Nature, 2021. Disponível em: https://www.nature.com/articles/d41586-021-02066-9 . Acesso em: 20/11/2021.


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