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Arte: Thom Tenery. Divulgação.
Pesquisadores acreditam que o navio Clotilda, localizado em 2019 pode conter uma grande quantidade de artefatos bem preservados, de barris de comida a DNA humano.
Os destroços do Clotilda, último navio negreiro conhecido da América, com 160 anos, foi identificado nas águas do rio Mobile, no Alabama em 2019.
Há histórias de que um empresário branco afirmou que poderia importar escravos africanos para Mobile, muito depois da proibição dessa prática. Acredita-se que William Foster, capitão do Clotilda, retornou da África em 1860 com 109 escravos a bordo – incluindo Charlie Lewis, um dos fundadores de Africatown. Uma dessas histórias conta que Foster tentou esconder as evidências de seu crime queimando e afundando o Clotilda em algum lugar do Rio Mobile.
Desde que foram localizados, os destroços do Clotilda vêm sendo estudados por pesquisadores. Eles estudaram o naufrágio e a história que o cerca, resultando na inclusão do navio no Registro Nacional de Locais Históricos. Os arqueólogos acreditam que muito mais do navio sobreviveu do que se pensava, tornando-o não apenas o último navio negreiro americano, mas também o mais bem preservado.
O arqueólogo Jim Delgado afirma que “este é o navio negreiro mais intacto que existe no registro arqueológico em qualquer lugar”. Delgado lidera estudos sobre o Clotilda para a empresa de arqueologia SEARCH, Inc. Ele acredita que dois terços da estrutura de madeira do navio permaneçam bem preservada, incluindo anteparas que transformaram a escuna comercial em um navio negreiro.
Segundo Delgado, “há evidências físicas diretas não apenas do navio e seu uso, mas também das mudanças feitas por Foster e sua tripulação para torná-lo um navio negreiro”. “Podemos dizer qual é o tamanho da área onde as pessoas foram mantidas, e esse foi um momento muito sério e emocionalmente poderoso para a equipe ver”, completa ele.
O rio de águas turvas dificulta a visão clara do naufrágio, tornando quase impossível, então os arqueólogos usaram um sonar para examinar através da escuridão.
“Estamos falando de um naufrágio que fica em um rio onde a visibilidade para um mergulhador é medida por alguns centímetros”, disse Delgado. “O Sonar acendeu as luzes para nós.” O sonar possibilitou também novas impressões sobre a vazante e o fluxo de lodo que cobre os destroços.
“Agora sabemos que a lama que está no local se move. Às vezes diminui, às vezes continua ”, diz Delgado, comparando o movimento a uma maré subindo e descendo. “Às vezes, são expostas coisas que não foram expostas anteriormente e, em seguida, são cobertas novamente”.
Jim Delgado revela que uma nova escavação “limitada e direcionada” dos destroços do Clotilda está planejada para março deste ano. Os arqueólogos esperam encontrar suprimentos armazenados – incluindo barris de carne, água, arroz, rum, melaço, farinha e pão – que podem estar enterrados no porão. Eles acreditam na possibilidade de recuperar o DNA humano de vestígios de fluidos corporais entre as tábuas da embarcação.
Nessa missão serão coletadas amostras de madeira, a análise das espécies aquáticas que colonizam os destroços. Tudo isso ajudará na determinação do que poderá ser feito para compensar a deterioração do local. Essa escavação determinará se os restos do Clotilda serão ou não içados.
Para a arqueóloga Stacye Hathorn da Comissão Histórica do Alabama, “um dos problemas que você tem é que, conforme você escava algo, você destrói o contexto, e o contexto conta a história”. “Você tem que ter muito cuidado para reunir todas as informações que puder, porque você só tem uma chance. Você não preserva as coisas destruindo-as. ”
Alguns pesquisadores acreditam que o melhor pode ser preservar o Clotilda no local e construir um memorial, semelhante ao que foi construído para o USS Arizona em Pearl Harbor. Qualquer que seja a decisão, arqueólogos e funcionários do Estado trabalharão em cooperação com a comunidade descendente do Clotilda para determinar o melhor curso. Um novo museu (o Africatown’s Heritage House” está previsto para ser inaugurado no segundo semestre deste ano.
A importância de qualquer detalhe descoberto pelos arqueólogos parece um pequeno milagre para a comunidade de Mobile. “É incrível. Você não poderia ter me dito 10 ou 15 anos atrás que tudo isso iria se desdobrar, porque era um mito - mas tudo foi documentado.” Diz Joycelyn Davis, descendente de Charlie Lewis.
Fonte: National Geographic