Matéria
Em 14 de fevereiro de 1831, desordeiros escalaram o telhado e derrubaram a cruz de ferro; eles carregavam machados, quebraram vitrais, esmagaram uma estátua da Virgem Maria. Essas pessoas estavam à procura do arcebispo de Paris, que não estava no local – e então seguiram para o palácio ao sul da igreja, de frente para o rio Sena. O palácio foi destruído pelas chamas após os desordeiros atearem fogo.
Eugène-Emmanuel Viollet-le-Duc tinha apenas 17 anos quando testemunhou o ataque. Ele desenhou a cena naquela noite, vista do Quai de Montebello, do outro lado do Sena. Em seu esboço, figuras agitadas invadem o palácio, arremessando móveis e outros objetos de valor pelas janelas e no rio. Logo atrás de toda a confusão está Notre-Dame. Treze anos depois, Viollet-le-Duc realizaria uma restauração de 20 anos da catedral.
Também aos 17 anos, Philippe Villeneuve, em 1980, viu uma exposição sobre Viollet-le-Duc no Grand Palais. Ele já tinha um sonho de ser arquiteto, mas não sabia que podia se especializar em construções históricas. Atualmente ele é um dos 35 “arquitetos-chefes de monumentos históricos” na França. Ele também dirige o trabalho de restauração em Notre-Dame desde 2013.
Villeneuve explica que Viollet-le-Duc “inventou a restauração de monumentos históricos”. “Isso não ocorria antes. Antes, as pessoas os consertavam no estilo de seus dias, ou os derrubavam”.
Imagem da reconstrução da Catedral de Notre-Dame. Pixabay.
No século XIX, pela primeira vez, um governo criou instituições para lidar sistematicamente com a preservação do passado e transmitir à posteridade. Muitas vezes não estamos conscientes de nossa participação nas decisões de preservação tomadas pelos governos – de como os prédios antigos são importantes. Até serem ameaçados.
Notre-Dame foi uma construção revolucionária para sua época. Ela foi construída ente 1163 e 1245 d.C., quando a França se tornava uma nação, e Paris, a maior cidade da Europa. Sua nova arquitetura francesa, com arcos pontiagudos e arcobotantes (estruturas externas que se ligam a contrapesos para equilibrar as paredes da construção), permitindo que as paredes fossem altas e finas, e as janelas enormes. Os italianos a chamaram de “gótica”.
Décadas de ataque e negligência, iniciando mesmo antes da Revolução de 1789, deixaram Notre-Dame em ruínas. O famoso escritor Victor Hugo ficou tão irritado que criou um romance inteiro em torno da catedral. Sua obra, Notre-Dame de Paris, foi publicada um mês após o incêndio do palácio do arcebispo em 1831. Durante a revolução, edifícios antigos e igrejas confiscados estavam sendo saqueados. Um movimento que dizia: basta, foi iniciado por Hugo.
Viollet-le-Duc salvou Notre-Dame, reconstruindo contrafortes e vitrais, substituiu estátuas destruídas, e adicionou os grotescos da catedral. Ele também ergue um novo pináculo de madeira, e adicionou estátuas dos Doze Apóstolos em degraus acima de sua base. Onze deles olhando para fora, vigiando a cidade; o décimo segundo foi São Tomé, feito olhando para o pináculo.
A cidade de Île de la Cité era um importante centro quando a construção de Notre-Dame foi iniciada no século XII. Naquela época, as pedras para a construção vinham de pedreiras onde hoje é a moderna Paris. Para a nova restauração, atualmente, uma composição geológica de calcário está sendo extraído em Oise e Aisne, enquanto árvores centenárias são derrubadas na Floresta de Bercé e outros lugares da França.
Atualmente, a igreja que serviu como local de adoração por mais de 800 anos, está sendo salva novamente. Desde que ocorreu o incêndio em 2019, a intenção de Villeneuve foi reconstruir a igreja com o telhado de chumbo e a “floresta” de carvalho maciço a sustentava, exatamente como Viollet-le-Duc a deixou.
Naquela noite de 15 de abril, todos na França se lembram de onde estavam – mesmo que ninguém tenha morrido – é como o 11 de setembro em Nova York. De uma janela em frente a Notre-Dame, um fotógrafo chamado Hermann explica que ficou aterrorizado com o ocorrido. “O drama de Notre-Dame foi para mim o fim do mundo”, disse Hermann ao National Geographic. “Fiquei atordoado. Fechei as cortinas”.
Um historiador de arquitetura, que estava no Palácio de Versalhes, Jean-Michel Leniaud, ao saber do incêndio, correu para Notre-Dame e presenciou o drama. “As pessoas estavam chorando. As pessoas estavam rezando. Elas estavam ajoelhadas na rua”, disse ele.
No momento que a conservadora do Ministério da Cultura responsável por Notre-Dame, Marie-Hélène Didier, chegou ao local, a maioria dos itens preciosos já haviam sido retirados e colocado no pátio. Na mesma noite, alguns artefatos foram levados em uma van para o cofre do Hôtel de Ville.
No Palácio do Eliseu, o presidente Emmanuel Macron gravava um discurso nacional em resposta aos “coletes amarelos” – o movimento que protestava contra seu governo. Imediatamente, ele cancelou a gravação e correu para a catedral. Notre-Dame é “nossa história, nossa literatura, nossa imaginação... o epicentro de nossa vida”, disse ele, aos repórteres. “Esta catedral, vamos reconstruí-la, todos nós juntos”.
A conservadora que supervisiona escavações arqueológicas em Paris explica que jamais imaginou que passaria quase dois anos vasculhando os escombros de Notre-Dame, e que a própria catedral se tornaria um sítio arqueológico.
Com a catedral ainda em chamas, as redes de TV exibiam especialistas opinando que a estrutura de madeira no sótão de Notre-Dame nunca seria reconstruída. Philippe Gourmain administra florestas em toda a França. Na mesma noite do incêndio, ele estava com um amigo do National Forest Office, organizando um plano para arrecadar a madeira necessária por meio de doações.
Com o incêndio, um buraco abriu na nave; um segundo formado na extremidade norte do transepto. Enquanto o fogo se espalhava, treliças de carvalho, com dez metros de altura, caíram como dominós sobre as abóbadas. No chão da catedral, madeira carbonizada e pedra formavam uma pilha de cerca de 1 metro.
Alguns dias após o incêndio, Chaoui-Derieux decidiu que os destroços não poderiam ser retirados sem uma classificação realizada por profissionais, considerando todo o material patrimonial legalmente protegido. Uma equipe de 34 membros foi enviada pelo Laboratório de Pesquisa de Monumentos Históricos ao local.
Muitos dos destroços foram coletados por robôs controlados remotamente devido ao grande risco de desmoronamento dos cofres. “Todas aquelas coisas que nunca tínhamos colocado em nossas mãos antes”, disse Zimmer. “Agora, infelizmente, estava em nossas mãos.”
Todo o material coletado se estende por mais de 2300 metros quadrados, em prateleiras de 6 metros de altura. Entre os destroços estão pedaços de madeira, pequenos pedaços de pedra, pó e cinzas – armazenados em centenas de sacos.
A entidade pública criada para restaurar Notre-Dame tem a sua disposição uma quantia de 840 milhões de euros em doações, incluindo 30 milhões, doados por norte-americanos.
O responsável pela restauração, Jean-Louis Georgelin, explica que à igreja sofreu danos graves, mas foram contidos. Nenhum dos tesouros ou obras de arte valiosas foi destruído. A Virgem de Paris, uma icônica estátua de pedra do século XIV, estava empoeirada, mas ilesa, com escombros a seus pés. No geral, a igreja perdeu sua torre, seu telhado e vigas, e algumas de suas abóbadas de pedra.
O plano, segundo o reitor da catedral, é reavaliar a visita, após a reabertura. Os visitantes serão conduzidos a um novo circuito passando pelas capelas laterais redesenhadas.
Fonte: National Geographic